O tema é bastante polêmico, e a decisão sobre a concessão do adicional de insalubridade para trabalhadores que realizam serviços de limpeza e conservação é frequentemente judicializada. Muitos profissionais de SST, Recursos Humanos e Contabilidade ainda têm dúvidas na hora de assessorar seus clientes a respeito do assunto.
Afinal, existe previsão legal de insalubridade para profissionais que executam serviços de limpeza e conservação?
Uns acham que sim. Outros têm convicção de que não existe. Então, para entendermos melhor o assunto, vamos saber de onde vem o benefício do adicional de insalubridade.
Benefício do adicional de insalubridade
O artigo 7º da Constituição Federal de 1988 dispõe sobre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais. Dentre eles, “adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas” (inciso XXIII).
Logo, a CF prevê o direito a adicional de remuneração para atividades insalubres, na forma da lei.
A base legal à qual ela se refere está presente na Consolidação da Leis do Trabalho, artigos 189 a 197.
De acordo com o artigo 189 da CLT, “serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos”.
Desta maneira, segundo a CLT, caso um empregado trabalhe exposto, por exemplo, ao agente nocivo ruído acima dos limites estabelecidos, ele terá direito ao adicional de insalubridade.
O artigo 190 da CLT deixa a cargo do Ministério do Trabalho a aprovação do quadro de atividades e operações insalubres.
Com a Portaria nº 3.214/1978, o MTE aprovou-o na forma da NR 15 – Atividades e Operações Insalubres. Já as Atividades e Operações Perigosas foram especificadas na NR 16.
A caracterização de insalubridade ou periculosidade é feita por meio de laudo técnico, sob responsabilidade de Médico do Trabalho ou de Engenheiro de Segurança do Trabalho.
ESTUDO DE CASO: Dona Maura
Dona Maura, nossa personagem neste estudo, vive numa modesta cidade de 50 mil habitantes no interior do Brasil. Ela acorda feliz todos os dias e vai para o seu trabalho de bicicleta.
Dona Maura trabalha como serviços gerais na rodoviária local. Lá, ela realiza atividades de limpeza do chão, paredes, vidros e móveis. Além disso, é responsável por coletar os lixos e higienizar os banheiros.
Ela gasta cerca de 80 minutos por dia com a coleta de lixo e a higienização dos banheiros. No restante do tempo, limpa os demais ambientes e executa outras pequenas tarefas.
Muitas pessoas da região circulam pela rodoviária e isso acaba dando bastante trabalho para Dona Maura. Mas ela não reclama. Vive uma vida simples, feliz e honesta.
Um dia, ela perguntou para sua patroa, a sra. Maria do Carmo:
– Sra. Maria do Carmo, por que eu ganho só 20% de insalubridade, enquanto uma amiga que faz um serviço parecido no supermercado ganha um adicional de 40% sobre o salário mínimo?
A patroa não soube responder e ficou um pouco preocupada com a indagação.
No outro dia, a sra. Maria do Carmo conversou com seu contador, que explicou tratar-se de acordo coletivo com o sindicato da categoria. O contador ainda aconselhou a elaboração de um laudo técnico de insalubridade e periculosidade, para verificar se o adicional devido é de 20% ou 40%.
A sra. Maria do Carmo contratou uma empresa de assessoria em Saúde e Segurança do Trabalho, que fez visitas para a elaboração do documento.
Semanas depois, o laudo de insalubridade assinado pelo Engenheiro de Segurança afirmava que a função de serviços gerais não se caracterizava como insalubre, de acordo com a NR 15.
No entanto, a sra. Maria do Carmo leu em alguma parte do documento que o adicional pode ser diferente quando definido por acordo coletivo ou mesmo por decisão judicial. A dúvida permaneceu, mas ela decidiu esquecer o assunto e continuar pagando os 20% de insalubridade para seus colaboradores.
A exposição a agentes nocivos
Neste momento, você também pode estar se perguntando: mas por que o laudo concluiu por 0% de insalubridade, se Dona Maura está exposta a agentes biológicos que podem ser nocivos à saúde da trabalhadora?
Efetivamente, Dona Maura está exposta a agentes biológicos durante a higienização de banheiros e coleta de lixo. Além disso, ela utiliza alguns produtos químicos (agentes químicos) para fazer a limpeza.
E será que a NR-15 considera nocivos os agentes a que está exposta cotidianamente Dona Maura?
Será que estes agentes químicos e biológicos dão direito ao pagamento do adicional de insalubridade?
O que diz a NR-15
Dentre os agentes nocivos químicos presentes na NR-15 que podem gerar insalubridade, consta o agente químico “álcalis cáusticos”. Sabe-se que os alvejantes utilizados por Dona Maura contêm substâncias cáusticas.
No entanto, é baixa a nocividade dos agentes químicos presentes nos produtos de limpeza utilizada por ela, podendo causar apenas alguma irritação na pele, se utilizado sem proteção.
Como vimos, Dona Maura passa parte de seu tempo realizando a higienização de banheiros e fazendo a coleta do lixo. Durante a limpeza dos banheiros, é possível que haja contato com material biológico humano contaminado.
Da mesma forma, existe a possibilidade de contato com microrganismo nocivos durante a coleta de lixo.
Mesmo que Dona Maura utilize luvas para executar estas atividades, sabe-se que não se pode garantir a efetiva proteção com o uso destes EPIs no caso de agentes biológicos.
Sendo assim, constatamos que as atividades desempenhadas por Dona Maura realmente a expõem a agentes biológicos, os quais podem afetar sua saúde.
E o que está disposto na NR-15 a respeito dos agentes biológicos?
O Anexo nº 14 da NR-15 lista as atividades que envolvem agentes biológicos, cuja insalubridade é caracterizada por avaliação qualitativa.
São consideradas atividades em que se caracteriza insalubridade em grau máximo (40%), segundo o Anexo nº 14, os trabalhos ou operações em contato permanente com:
- • pacientes em isolamento por doenças infecto-contagiosas, bem como objetos de seu uso, não previamente esterilizados;
- • carnes, glândulas, vísceras, sangue, ossos, couros, pêlos e dejeções de animais portadores de doenças infectocontagiosas (carbunculose, brucelose, tuberculose);
- • esgotos (galerias e tanques); e
- • lixo urbano (coleta e industrialização).
Ao analisar os trabalhos ou operações que ensejam o pagamento de insalubridade em grau máximo, percebemos que as atividades desempenhadas por Dona Maura não figuram entre elas.
Mas, o anexo nº 14 da NR-15, também apresenta uma relação de atividades que ensejam o pagamento do adicional de insalubridade em grau médio (20%). Segue o texto do referido anexo:
- Trabalhos e operações em contato permanente com pacientes, animais ou com material infecto-contagiante, em:
- • hospitais, serviços de emergência, enfermarias, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana (aplica-se unicamente ao pessoal que tenha contato com os pacientes, bem como aos que manuseiam objetos de uso desses pacientes, não previamente esterilizados);
- • hospitais, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados ao atendimento e tratamento de animais (aplica-se apenas ao pessoal que tenha contato com tais animais);
- • contato em laboratórios, com animais destinados ao preparo de soro, vacinas e outros produtos; – laboratórios de análise clínica e histopatologia (aplica-se tão-só ao pessoal técnico);
- • gabinetes de autópsias, de anatomia e histoanatomopatologia (aplica-se somente ao pessoal técnico); – cemitérios (exumação de corpos);
- • estábulos e cavalariças; e
- • resíduos de animais deteriorados.
Após uma avaliação no texto da NR-15 descrito acima, verificamos que as atividades relacionadas não são as mesmas exercidas por Dona Maura.
Sendo assim, parece que a conclusão do laudo estava realmente correta.
Súmula 448 do Tribunal Superior do Trabalho – TST
Embora a NR-15 tenha deixado poucas dúvidas a respeito do assunto, é importante verificar como o judiciário vem julgando casos similares ao de Dona Maura.
No final das contas, acaso ajuizada ação trabalhista, o que valerá é a decisão do processo judicial.
A mais alta corte trabalhista do Brasil, ao deliberar sobre o tema, produziu a Súmula 448. Esta súmula serve para orientar juízes de instâncias inferiores nas decisões sobre casos similares.
Segue o conteúdo da Súmula 448 do TST:
I – Não basta a constatação da insalubridade por meio de laudo pericial para que o empregado tenha direito ao respectivo adicional, sendo necessária a classificação da atividade insalubre na relação oficial elaborada pelo Ministério do Trabalho.
II – A higienização de instalações sanitárias de uso público ou coletivo de grande circulação, e a respectiva coleta de lixo, por não se equiparar à limpeza em residências e escritórios, enseja o pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo, incidindo o disposto no Anexo 14 da NR-15 da Portaria do MTE nº 3.214/78 quanto à coleta e industrialização de lixo urbano.
Portanto, de acordo com o item I, é preciso que a atividade esteja listada na NR-15 para que o empregado tenha direito ao adicional de insalubridade.
Já o item II da mesma súmula, equipara a higienização e coleta de lixo de determinados ambientes à coleta e industrialização de lixo urbano.
No entanto, ao verificarmos as atividades descritas no anexo 14 da NR-15, veremos que a atividade de higienização e coleta de lixo de instalações sanitárias não está entre as atividades consideradas insalubres.
Segundo o primeiro item da Súmula 448, a atividade precisa estar listada na NR-15 para ser considerada insalubre.
Não estaria o item II, desta forma, contrariando o item I da mesma súmula?
A coleta de lixo urbano é diferente da coleta de lixo de um local determinado. O lixo urbano é pertencente à cidade, ou seja, lixo de uma grande densidade populacional, de um conjunto de casas e estabelecimentos que juntos compõem uma cidade.
Poderíamos considerar as instalações sanitárias onde Dona Maura trabalha como locais públicos de grande circulação? E o que é grande circulação?
Parece que as dúvidas continuam pairando sobre o assunto.
Mas, afinal, qual seria o percentual correto de insalubridade para Dona Maura?
A resposta não se apresenta tão simples e direta como deveria ser.
Caso o sindicato a que Dona Maura pertence tenha fechado um acordo coletivo que conceda um adicional de 20%, este deveria ser o adicional a ser acrescido aos seus vencimentos, já que o laudo técnico e a NR-15 não consideram as atividades como insalubres.
E a Súmula 448 do TST? Pois é, ao fim e ao cabo, o que vale é a decisão judicial.
Todavia, na minha opinião, sobrou criatividade e faltou clareza de pensamento aos juízes do TST ao decidirem sobre o tema.
E isso acaba criando uma insegurança jurídica enorme, bem como evidencia a total falta de bom senso do judiciário trabalhista brasileiro.
Mas essa é apenas a minha opinião. E qual é a sua? Compartilhe com seus amigos e deixe sua opinião logo abaixo.