Há poucas semanas, milhares de postos de combustíveis de todo o Brasil receberam cartas da Receita Federal cobrando a contribuição para financiamento da aposentadoria especial, supostamente devida por estes estabelecimentos.
Para alguns postos, a cobrança refere-se ao período de 01/2016 a 12/2016. A Receita concedeu prazo de até 15 janeiro de 2020 para que estas empresas façam a regularização.
Caso não ocorra regularização por parte dos contribuintes, a Receita promete inciar procedimento fiscal que pode gerar multa de 75% a 225%.
Afinal, do que se trata essa contribuição?Como a Receita sabe quais empresas devem pagar tal contribuição? Será que existe alguma forma de descaracterizar o tempo desserviço especial?
Responderemos essas indagações ao longo desse artigo.
O que é essa tal contribuição que a Receita está cobrando ?
A Previdência Social mantém benefício de aposentadoria especial para o segurado que tenha trabalhado durante quinze, vinte ou vinte e cinco anos, conforme o caso, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
Essas “condições especias” que prejudiquem a saúde e a integridade física são aquelas nas quais a exposição ao agente nocivo ou associação de agentes presentes no ambiente de trabalho esteja acima dos limites de tolerância estabelecidos segundo critérios quantitativos ou esteja caracterizada segundo os critérios da avaliação qualitativa.
Os empregadores que mantém trabalhadores exercendo atividades em condições especiais devem recolher mensalmente uma contribuição adicional para financiamento da aposentadoria especial (FAE) de 6%, 9% ou 12% sobre a folha de pagamento desses empregados.
Para os postos de gasolina, e para a maioria dos casos, a contribuição adicional é de 6% e deve ser acrescida à alíquota de GIIL-RAT. Em meu curso on-line sobre Aposentadoria Especial PPP e LTCAT, explico melhor essa contribuição.
É justamente essa contribuição que a Receita Federal está cobrando dos postos de combustíveis de todo o país.
Quais trabalhadores dos postos têm direito à aposentadoria especial?
Como mencionado anteriormente, têm direito à aposentadoria especial aqueles trabalhadores que trabalham expostos a agentes nocivos nas condições estabelecidas pela Previdência.
No caso dos postos de gasolina, os combustíveis e os óleos manuseados pelos trabalhadores desses locais, são agentes químicos que podem ser nocivos à saúde do trabalhador.
Nas carta enviada aos estabelecimentos, a Receita menciona especialmente o Benzeno, que é um agente químico reconhecidamente cancerígeno que está presente na gasolina.
Portanto, os frentistas e outros trabalhadores dos postos de combustíveis podem estar expostos ao agente químico cancerígeno Benzeno..
Como é realizada a comprovação da atividade especial
A comprovação do tempo de serviço especial pelo trabalhador junto ao INSS é feita através do formulário PPP, emitido com base no LTCAT.
O Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho – LTCAT é o instrumento estabelecido pela Previdência para que seja registrada a avaliação das condições ambientais de trabalho para fins previdenciários.
Durante a elaboração do LTCAT, o Engenheiro de Segurança ou Médico do Trabalho, irá avaliar qualitativamente e quantitativamente a exposição dos trabalhadores aos agentes nocivos previdenciário, seguindo os procedimentos e metodologias definidos pelo INSS, e concluir se a exposição do trabalhador aos agentes nocivos caracteriza a atividade como especial ou não.
Todos os empregadores que mantém trabalhadores expostos aos agentes nocivos previdenciários devem providenciar a elaboração do LTCAT para comprovar ou não as condições especiais de trabalho.
Avaliação diferenciada para agentes cancerígenos
De acordo com o Regulamento da Previdência Social – RPS, aprovado pelo Decreto 3048/99 e suas alterações, a avaliação dos agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos é diferenciada. Assim nos traz o Art. 68 do RPS:
§ 2o A avaliação qualitativa de riscos e agentes nocivos será comprovada mediante descrição: (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013). I – das circunstâncias de exposição ocupacional a determinado agente nocivo ou associação de agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho durante toda a jornada; (Incluído pelo Decreto nº 8.123, de 2013). II – de todas as fontes e possibilidades de liberação dos agentes mencionados no inciso I; e (Incluído pelo Decreto nº 8.123, de 2013). III – dos meios de contato ou exposição dos trabalhadores, as vias de absorção, a intensidade da exposição, a frequência e a duração do contato. (Incluído pelo Decreto nº 8.123, de 2013). § 4o A presença no ambiente de trabalho, com possibilidade de exposição a ser apurada na forma dos §§ 2o e 3o , de agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, será suficiente para a comprovação de efetiva exposição do trabalhador. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013).
A lista de agentes cancerígenos mencionada pelo RPS é a LINACH, Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos , publicada pelo antigo Ministério do Trabalho através da Portaria Interministerial n° 9 de 07 de outubro de 2014. Na tabela do grupo 1 da LINACH, encontramos os agentes reconhecidamente cancerígenos, entre eles está o Benzeno.
Para caracterização de períodos com exposição aos agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados na Portaria Interministerial n° 9 de 07 de outubro de 2014, Grupo 1 que possuem CAS e que estejam listados no Anexo IV do Decreto nº 3.048, de 1999, será adotado o critério qualitativo, não sendo considerados na avaliação os equipamentos de proteção coletiva e ou individual, uma vez que os mesmos não são suficientes para elidir a exposição a esses agentes, conforme parecer técnico da FUNDACENTRO, de 13 de julho de 2010 e alteração do § 4° do art. 68 do Decreto nº 3.048, de 1999.
Portanto, ao analisarmos a legislação, constatamos que com a presença de agentes cancerígenos listados no grupo 1 no ambiente, com possibilidade de exposição do trabalhador, a avaliação qualitativa é suficiente para comprovação da aposentadoria especial. Além disso, os equipamentos de proteção coletiva ou individual não são suficientes para elidir a exposição.
Por essa razão, a Receita Federal está cobrando a contribuição devida daqueles trabalhadores dos postos de combustíveis expostos ao Benzeno.
Análise técnica da exposição aos agentes cancerígenos
O Regulamento da Previdência Social (Dec. 3048/99) e a Instrução Normativa n. 77 do INSS, trazem os seguintes pontos na avaliação dos agentes cancerígenos previdenciários:
Avaliação qualitativa;
Presença com possibilidade de exposição;
Desconsideração de EPIs e EPCs (Parecer da FUNDACENTRO);
A seguir, vamos analisar estes ponto trazidos pela legislação previdenciária.
Avaliação qualitativa
Tecnicamente, a avaliação qualitativa deste tipo de agente não é objetiva, não é possível dimensionar a exposição do trabalhador, se não for realizada uma avaliação quantitativa.
Segundo Tuffi M Saliba, “a presunção do risco pela simples presença do agente cancerígenos no processo não é a melhor maneira de avaliar a exposição para fins de aposentadoria especial“. A avaliação qualitativa acaba criando a possibilidade de avaliação subjetiva dos agentes cancerígenos.
Presença com possibilidade de exposição
O texto do Decreto 3048/99 nos leva crer que qualquer exposição a agentes cancerígenos seria nociva à saúde.
No entanto, a Convenção 139 da OIT, da qual o Brasil é signatário, permite que o trabalhador labore exposto a agentes cancerígenos desde que os níveis dessa exposição sejam reduzidos ao mínimo compatível com a segurança.
Organizações como a ACGIH estabelecem limites de exposição para agentes cancerígenos. Ou seja, é permitida a exposição desde que esteja controlada.
Além disso, não há como assegurar se há exposição sem a realização de uma avaliação quantitativa.
Portanto, para sabermos se a exposição é capaz de prejudicar a saúde, como estabelece a Lei 8213/91, é preciso realizar uma avaliação quantitativa para comparar com os limites de exposição estabelecidos por organizações que mantém limites de tolerância atualizados.
Desconsideração de EPIs e EPCs (Parecer da FUNDACENTRO)
A IN n. 77/2015 do INSS estabelece que a atividade especial com exposição a cancerígenos deve ser enquadrada mesmo com a utilização de EPIs e EPCs, pois segundo o parecer técnico da FUNDACENTRO, estes equipamentos não são suficientes para elidir a exposição.
No entanto, o parecer técnico da FUNDACENTRO é sobre um caso específico, da exposição ao Benzeno em indústria petroquímica, e, por isso, não pode ser generalizada para todos os agentes e todas as empresas.
Além disso, o Decreto 3048/99 não menciona que EPIs e EPCs devem ser desconsiderados. E como um Decreto tem peso maior que uma IN no ordenamento legal, o correto seria considerar a proteção fornecida pelo EPI e EPC.
Há como descaracterizar a aposentadoria especial nos postos de combustíveis?
Pois bem, existem duas formas de avaliar os agentes cancerígenos previdenciários. Uma das formas teria respaldo apenas legal, e outra forma teria respaldo técnico e também legal.
A primeira forma é através da avaliação qualitativa apenas, em que o agente encontra-se presente no ambiente de trabalho e presume-se que existe exposição do trabalhador, independente do uso de EPIs.
A outra forma é através da avaliação qualitativa e quantitativa. A avaliação quantitativa é mais objetiva e tecnicamente mais correta para avaliar os agentes cancerígenos. Aliás, é a forma mais correta para avaliar qualquer agente químico mensurável.
A presunção da exposição pela presença do agente nocivo no ambiente de trabalho não é a melhor forma de fazer a conclusão da exposição do trabalhador, pois é muito subjetiva.
Avaliação Qualitativa e Quantitativa
Para avaliar tecnicamente os agentes cancerígenos no LTCAT, afinal o LTCAT é um laudo técnico, faria-se avaliação quantitativa do agente químico e compararia o resultado com os limites de exposição da ACGIH ou limites de outra instituição reconhecida que mantém estudos atualizados sobre estes agentes.
Caso o agente não seja detectado ou esteja muito abaixo do limite, a exposição estaria controlada e não haveria risco de prejuízo à saúde do trabalhador.
De acordo com a Norma Européia EN 689, se o índice de concentração é de até 10% em três amostras do GHE, a exposição está controlada.
Entretanto, é preciso levar em conta se existe outras forma de exposição além da via respiratória, verificar se o agente pode ser absorvido pela pele. E também considerar a proteção oferecida pelos EPIs, afinal, o Decreto 3048/99 não desconsidera o uso de EPIs.
Sendo assim, a conclusão tecnicamente correta do agente químico reconhecidamente cancerígeno é realizada por avaliação quantitativa, comparando o resultado com os limites estabelecidos por organizações internacionais.
Se a exposição estiver controlada, é possível descaracterizar tecnicamente o tempo de serviço especial, pois não existe prejuízo à saúde do trabalhador.
Por exemplo, ao caminhar nas ruas centrais de uma cidade certamente estaremos expostos a doses de benzeno. Claro que essa concentração do agente será baixíssima.
Logo, interpretando a legislação previdenciária, pode-se concluir que qualquer trabalhador que desempenhe atividades, de forma habitual e permanente, próximo ao tráfego de veículos poderia ter direito a aposentadoria especial. Por isso, a avaliação dos agentes cancerígenos precisa ter fundamento técnico.
Respaldo Técnico e legal
Além de respaldo técnico, a avaliação quantitativa dos agentes cancerígenos também tem respaldo legal.
A Lei 8213/91 assim nos traz:
Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.
Portanto, se a exposição estiver controlada ou concentração abaixo do limite de quantificação do método, não existem condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
Ademais, como mencionado anteriormente, a Convenção 139 da OIT da qual o Brasil é signatário, permite que o trabalhador labore expostos a agentes cancerígenos, desde que os níveis dessa exposição sejam reduzidos ao mínimo compatível com a segurança.
Vale ressaltar que uma convenção tem peso maior que lei aqui no Brasil.
Concluindo…
Ao meu ver, o trecho do RPS que dispõe sobre a avaliação diferenciada dos agentes cancerígenos não tem sustentação técnica e legal.
Por outro lado, ao menos que haja uma discussão no Legislativo e/ou no Judiciário sobre o estabelecimento de fundamentos técnicos para caracterização da aposentadoria especial dos agentes cancerígenos, também não existe segurança jurídica para tomar decisões técnicas sobre a caracterização da atividade especial.
Caso caso você seja profissional de SST, fique atento aos entendimentos do Judiciário sobre o assunto.
Até que o tema seja melhor discutido, qualquer que seja a sua conclusão no LTCAT, deixe claro as possíveis repercussões para o seu cliente.
E se você trabalha com Aposentadoria Especial e deseja se manter atualizado, bem como dominar os aspectos técnico e legais relacionados ao benefício, te convido a conhecer meu curso on-line clicando aqui.
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Eder Santos
Professor e Consultor de SST
Fundador do sstonline.com.br
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