Agente físico Ruído: o uso de EPI descaracteriza o tempo especial de aposentadoria?

O tema é polêmico. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se em relação ao agente nocivo ruído, indicando que a  eficácia do EPI não descaracteriza tempo de serviço especial.  Por outro lado, a legislação previdenciária estabelece que o EPI deve ser considerado na avaliação da exposição do trabalhador ao agente nocivo ruído. Diante desse cenário, como devo agir?

Em recente versão do Manual da Aposentadoria Especial, o próprio INSS orienta que a informação sobre o EPI não descaracteriza o enquadramento como atividade especial no caso da exposição a níveis de ruído acima dos limites de tolerância,  desde que atendidas as demais exigências.

Essa orientação do INSS está de acordo com o entendimento atual do STF, que através do julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 664335, com repercussão geral reconhecida, firmou este entendimento.

O Regulamento da Previdência Social – RPS (Decreto 3048/99), ao dispor sobre a avaliação dos agentes nocivos que ensejam aposentadoria especial, estabelece  que a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual deve ser levada em conta na avaliação da exposição ao agente nocivo.

Afinal, o uso de EPI eficaz descarateriza ou não o tempo de serviço especial?

O agente nocivo ruído

O ruído é um agente ocupacional de risco bastante comum nos ambientes de trabalho, especialmente na indústria.

O agente físico ruído pode ser definido como um som desagradável, não desejado. Dependendo da intensidade e tempo de exposição, o ruído é capaz de causar danos à saúde do trabalhador.

Além da perda auditiva induzida pelo ruído,  estudos mostram que a exposição continuada está relacionada a diversos distúrbios, como a perturbação e desconforto, agravo do estresse, prejuízo cognitivo e de concentração, distúrbios do sono, irritabilidade e doenças cardiovasculares.

Para evitar que a saúde dos trabalhadores seja afetada pela exposição ao ruído no trabalho, o empregador é obrigado a adotar medidas de proteção que neutralizem ou reduzam a nocividade dos sons.

Nesse sentido, o ideal é eliminar ou substituir a fonte geradora de ruído. Mas nem sempre isso é viável.

Quando não for possível eliminar a fonte, é preciso adotar outras medidas de controle seguindo a hierarquia apresentada na figura abaixo:

Hierarquia de medidas de controle (Fonte: ABNT/CB32 – Eficácia do Protetor Auditivo)

Como vimos, o Equipamento de Proteção Individual – EPI deve ser a última alternativa na proteção do trabalhador, utilizada somente quando as demais alternativas não forem possíveis ou eficazes.

No entanto, o EPI ainda deve ser considerado com uma importante medida de proteção.

Aposentadoria especial por exposição ao ruído

O RPS (Decreto 3048/99) estabelece as regras para concessão de aposentadoria especial. De acordo com o RPS, “consideram-se condições especiais que prejudiquem a saúde e a integridade física aquelas nas quais a exposição ao agente nocivo ou associação de agentes presentes no ambiente de trabalho esteja acima dos limites de tolerância estabelecidos”. 

Entre os agentes nocivos considerados pela Previdência para a concessão do tempo especial está o agente físico ruído. A lista completa de agentes nocivos considerados pelo INSS está no Anexo IV do Decreto 3048/99.     

O empregador que exponha empregados a agentes nocivos químicos, físicos ou biológicos precisa elaborar laudo técnico (LTCAT) para comprovar se a exposição do trabalhador caracteriza ou não condições de trabalho especiais para fins de aposentadoria.

Os limites de exposição ocupacional a agentes nocivos estão nos anexos da Norma Regulamentadora n˚ 15 (NR-15). Em relação ao agente ruído, é considerada atividade especial aquela com exposição a Níveis de Exposição Normalizados (NEN) superiores a 85 dB(A).

 

 

Para avaliação da exposição  ao ruído registada no LTCAT,  entre outros fatores, devem ser considerados os procedimentos técnicos da NHO 01 da FUNDACENTRO e a efetiva atenuação proporcionada pelo uso de EPIs.

A manifestação do Supremo Tribunal Federal

O  STF formou dois entendimentos recentes sobre a eficácia do EPI na redução/neutralização da exposição do trabalhador ao agente nocivo ruído.

Um dos entendimentos é:

“O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial.”

A outra tese,  é mais especifica, pois só faz relação a exposição ocupacional ao agente físico ruído.

O segundo  entendimento do STF é que o uso eficaz do EPI, caso o nível de exposição ao agente físico ruído esteja acima do nível de tolerância previsto na legislação (NR-15), não descaracteriza o tempo especial:

“Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria” ARE 664.335, de 2015

Influenciado pelo Parecer Técnico – ARE nº 664335 – STF, o STF considerou que nos casos de exposição do segurado ao agente nocivo ruído acima dos limites de exposição ocupacional, a declaração do empregador da eficácia do EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.

Este Parecer Técnico usou o ruído como “eixo exemplificativo”, afirmou que os EPIs  “…. invariavelmente não protegem o trabalhador, e que, portanto, suscitam aposentadoria especial….”.

Algumas afirmações do parecer, levam-nos a acreditar em uma ineficácia absoluta do EPI na proteção contra os efeitos nocivos do ruído ocupacional.

Relatório Técnico ABNT CB/32: Eficácia do Protetor Auditivo

Relatório Técnico ABNT CB/32, publicado em 14 de junho de 2019, traz aspectos técnicos e legais sobre a eficácia do protetor auditivo.

Este relatório da ABNT, que conta com a participação de grandes especialista no assunto, afirma que SIM, o EPI pode ser eficaz na proteção do trabalhador exposto a níveis de ruído acima dos limites.

No entanto, para ser considerado eficaz, é preciso que a utilização do EPI cumpra os requisitos das Normas Regulamentadoras.

Ainda, segundo o mesmo relatório, para que o protetor auditivo funcione corretamente e cumpra sua função é preciso garantir alguns aspectos como:

  • Seleção do protetor auditivo apropriado para o nível de ruído do ambiente em que ele será utilizado;
  • Correta colocação do protetor auditivo por parte do usuário;
  • Manutenção, substituição e higienização do protetor auditivo;
  • Treinamento na utilização adequada do protetor auditivo;
  • Motivação dos usuários para a utilização do protetor auditivo;
  •  Cobrança da utilização do protetor auditivo por parte dos gerentes, supervisores e/ou responsável pela área, monitoramento de uso.

Sobre o entendimento do STF acerca do assunto, o relatório na ABNT faz o seguinte comentário:

“A afirmação, do ponto de vista técnico, está correta. Conforme demonstrado, existem diferentes tipos de proteção efetivas (proteção coletiva, medidas administrativas e proteção individual). Esses tipos de proteção são utilizados no mundo todo, e possuem um alto nível de utilização em países desenvolvidos como EUA, Europa e Japão. Um ponto importante à citar é que o formulário do PPP é muito simplório no que diz respeito a implantação dessas proteções, seja coletiva, seja individual. Sendo necessário somente o preenchimento se a proteção coletiva e o EPI são eficazes e qual o número de Certificado de Aprovação (CA) do EPI. A proteção através da utilização do protetor auditivo vai muito além de apenas fornecer e registar a data de entrega do EPI ao empregado. É necessária toda uma cultura organizacional para que a proteção auditiva realmente venha a ser efetiva em sua função. Isto pode ser obtido através da efetiva implementação de um Programa de Conservação Auditivo, onde as ações não fiquem apenas no papel, mas acontecem no dia a dia da empresa.”

Portanto, não basta a entrega do equipamento ao trabalhador, é preciso assegurar que outros requisitos também sejam contemplados.

Conclusão

O Relatório Técnico produzido pela ABNT pode ser um forte aliado das empresas que fazem  boa gestão de EPIs. Trata-se de um relatório consistente, que atesta a eficácia do EPI na proteção contra os efeitos danosos do ruído.

Mas, como vimos, não basta a empresa declarar no PPP que o EPI é eficaz. As empresas precisam manter evidências que comprovem o cumprimento das exigências das NR-6, NR-7, NR-9 e NR-15 relacionadas aos EPIs.

Estas evidências são registros de entrega, compra, higienização, troca, uso, treinamentos e programas relacionados ao bom funcionamento do EPI, bem como exames de audiometria e programas de conservação da saúde do trabalhador.

Diante dessas exigências, somente se a empresa possuir registros de EPIs  de forma consistente, poderia declarar que não estaria caracterizada a insalubridade e tempo de serviço especial pela eficácia no uso do equipamento de proteção.

Melhor ainda se a empresa adotar medidas de proteção coletiva para controlar a exposição ao ruído. Assim, não haveria o risco de questionamento de eficácia do equipamento.

Pois sabemos que na prática, a imensa maioria dos empregadores que mantém trabalhadores expostos a níveis de ruído acima dos limites não conseguem assegurar a eficácia do EPI. Logo, as empresas deveriam declarar que o EPI não é eficaz  no PPP (eSocial).

São bem poucas as empresas que mantém evidências consistentes que comprovem a boa gestão dos EPIs.

De qualquer forma, o relatório da ABNT veio ajudar a área de Saúde e Segurança do Trabalho com embasamento técnico sobre o tema. Agora, os profissionais de SST – responsáveis por elaborar o laudo técnico que irá caracterizar o tempo de serviço especial – podem ficar menos inseguros quando  assessorar seus clientes sobre este assunto.

A única maneira de evitar problemas é fazendo uma boa gestão de EPIs ou utilizar medidas de ordem coletiva. Este desafio não é tarefa difícil, mas exige trabalho e investimentos em SST.

Para finalizar, é importante deixar claro que tecnicamente e legalmente existe a possibilidade de descaracterizar a aposentadoria especial com o uso de EPIs.

No entanto, existe uma decisão judicial de repercussão geral (ARE 664.335) que aponta no sentido contrário. Portanto, quando o tema chega na esfera judicial, o entendimento poderá ser diferente do entendimento técnico e legal.

Sendo assim, a decisão de recolher ou não o adicional para financiamento da aposentadoria especial (FAE)  deve ser tomada em conjunto entre a direção da empresa e as áreas de SST e jurídica,   levando-se em consideração das repercussões de cada escolha.

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