Mais uma fatalidade sob a minha gestão (mensagem no meu celular gritando, mal eu havia ligado ao sair do avião).
E lá estava eu, regressando ao Brasil de folga, só iria botar o pé no Galeão (RJ) e teria de esperar o próximo voo para ir à Ásia.
Ao ligar o celular já estava a mensagem sobre um acidente e durante a passagem pelas autoridades tomei conhecimento com mais detalhes.
Tínhamos perdido um colaborador em um acidente no estaleiro!
Por lá, cerca de 8 mil homens trabalhavam em três turnos e em dois sites distantes um do outro. Há um bom tempo não tínhamos um acidente grave ou fatalidade.
Eu tinha um carinho especial por aquele local onde estive por muitos anos como gestor geral de QSMS-RS e Sustentabilidade.
Sendo corporativo naquela época e de folga, nunca poderia deixar de acompanhar esta fatalidade e dar suporte aos meus colegas do QSMS-RS e Sustentabilidade.
Ao chegar no local, toda a organização já estava mobilizada e queriam saber o que aconteceu. Como de costume.
E é a mais pura realidade em qualquer estabelecimento – e que ninguém tente negar dizendo que onde trabalha é diferente, por favor – mas gente que nunca ligou para a segurança passa a bradar como é importante e como deixaram aquilo acontecer.
“É um absurdo! Como pode?!” É o que se mais escuta pelos cantos e reuniões.
Começam a dar lições de segurança a todos, mas o pior de tudo: passam a olhar para os gestores responsáveis da área, como se eles fossem os piores da profissão no mundo.
E tem sempre um da direção que manda chamar de pronto, umas consultorias em segurança (sem consultar o departamento), que ele conhece ou já ouviu falar ou é parente do amigo do cachorro da empregada.
Pois passa a olhar com desconfiança para a equipe.
E lá vieram os especialistas…
Especialista em PERCEPÇÂO DE RISCO, especialista em SEGURANÇA DO TRABALHO, especialista em COMPORTAMENTO SEGURO, todos com livros publicados, métodos e jargões de segurança.
Por favor, nada contra. Não sou especialista em nada, e nem chego perto destes colegas em conhecimento, teoria, livro e todo o pacote de quem é o “cara especialista”.
Estou bem longe disso.
E como se apresentaram, tendo mais de 25 anos de experiência cada, como consultores (dava uns 100 anos todos juntos), e que iriam resolver nosso problema!
Me deixou um pouco curioso: mas como?
Pensava comigo: será que algum dia trabalharam em um trecho ou em uma planta com esta quantidade de colaboradores e nas mais diversas culturas?
Tanto tempo como consultor … Não sei não…
E o LinkedIn é bom nessas horas: dei uma olhada e realmente nunca tinham trabalhado ou assumido uma posição de alta direção na vida por pelo menos dois anos na área.
Mas vamos adiante…
Infelizmente aconteceu o acidente e a equipe de QSMS-RS estava arrasada e sendo olhada com desconfiança, ou seja, “o de sempre nestas horas”.
Mas agora… Com os ESPECIALISTAS cada um com uma metodologia fantástica.
Estes arriscavam a dizer que o objetivo era “ZERO acidentes” com seus treinamentos daqui para diante. E por aí prosseguimos…
Quando quiseram começar a implantar seus métodos e treinamentos, pediram para trazer turmas de apenas 20 colaboradores. Mas coomo fazer isso com 8 mil colaboradores?
Além da turma de vinte, também pediram que parassem a produção antes de terminar o treinamento!
Mais uma vez, COMO?
Antes que continuassem tive que intervir (ganhei mais inimigos para minha coleção).
Só de técnicos de segurança tínhamos mais de 120, gerentes de QSMS-RS uns 15, esses eram meus números daquela operação.
Senti que não tinham o menor comprometimento com a realidade do local e não estavam – ou não queriam entender – o ambiente em que pisavam.
Propus, já que estavam lá, que realizassem palestras em turnos diferentes e/ou trabalhassem com alguns grupos.
E ficassem um bom tempo acompanhando o dia a dia e que entendessem a cultura local etc.
Mas que nada.
Realizaram seus trabalhos, deram seus diagnósticos, pegaram suas malas e foram embora.
E aí?
Bem, se desse certo, eles eram os ban ban ban, se desse errado não prestamos atenção.
Profissionais que trabalharam muito pouco tempo na linha de frente ou passaram a vida toda trabalhando em pequenas empresas, onde existiam fim de semana, feriado etc possuem uma vivência e uma visão bem diferente dos que trabalham no trecho ou em grandes obras, não tem como comparar.
Visões e experiências totalmente diferentes.
Nada contra, pois foi o que vida profissional proporcionou, mas quando falamos em obras ou trechos com muita gente e com culturas diferentes da sua, a visão é outra.
E a cultura do local e sua realidade é a base de tudo para entender o que acontece na segurança do colaborador.
Para desenvolver um trabalho bem específico para aquela localização, o pouco que aprendi nessa área me ensinou que se você quer melhorar seu desempenho da segurança, guarde suas estatísticas de acidentes e comece a ouvir os verdadeiros peritos em segurança: SEUS COLABORADORES, principalmente os da operação/trecho
Na minha opinião, se você quer tornar uma operação boa em gestão de segurança tem que engajar todos os colaboradores, ganhar a confiança e persuadir entendendo seus hábitos e a cultura do local.
E não impor, por goela dentro.
Tem que vivenciar o dia a dia, compartilhar ombro a ombro.
Aí sim, começar a trabalhar a metodologia que for a mais conveniente para o local.
Se os artigos ou livros que dizem “as 10 maneiras para alcançar o “ZERO acidentes” dessem certos, não haveriam mais acidentes, não é verdade?
Pode funcionar para quem escreveu e para a realidade que passou, mas não para todos.
Se você, meu colega, quer mesmo melhorar sua gestão de segurança do trabalho, lembre-se:
Primeiro de tudo: deixe de lado suas estatísticas e comece a escutar os maiores especialistas em segurança do trabalho, SEUS COLABORADORES.
Segurança do trabalho é uma questão de saber lidar com as pessoas.
Estamos juntos!