q=3 ou q=5? Como avaliar o ruído no LTCAT para aposentadoria especial

A avaliação do agente físico ruído, para fins previdenciários, tem motivado grandes discussões entre os profissionais de Saúde e Segurança do Trabalho. Uns defendem o incremento de duplicação de dose igual a 5 (q=5) e outros defendem que ele seja igual a 3 (q=3).

Até mesmo o INSS está dividido em relação a essa questão. Afinal, devemos utilizar q=3 ou q=5 para avaliar o ruído no LTCAT?

A resposta deveria ser simples, mas é rara nas discussões que venho acompanhando por aí.

Há pouco tempo, uma grande empresa brasileira realizou duas consultas ao INSS para verificar qual seria o posicionamento oficial sobre o tema. Surpreendentemente, uma das respostas foi q=3 e a outra foi q=5.

Agora, a indefinição chegou ao eSocial. A nova proposta de leiaute de SST traz, na Tabela 23 – Fatores de Riscos do Meio Ambiente do Trabalho, códigos distintos para o ruído contínuo ou intermitente: um para a legislação trabalhista e outro para a legislação previdenciária.

E quais são as origens dessa confusão?

NHOs da Fundacentro e os limites de tolerância da NR 15

A Fundacentro é uma instituição do Governo Federal voltada para o estudo e a pesquisa das condições dos ambientes de trabalho, que produz e difunde conhecimentos sobre Segurança e Saúde no Trabalho e Meio Ambiente.

Por meio das NHOs – Normas de Higiene Ocupacional, ela estabelece critérios e procedimentos para a avaliação da exposição ocupacional a agentes nocivos. As NHOs são referenciadas pelas Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e também pela Previdência Social para a avaliação dos agentes nocivos no LTCAT.

Por exemplo, a NHO 01 da Fundacentro define os procedimentos técnicos para a avaliação da exposição ocupacional ao ruído.

Já a NR 15 – Atividades e Operações Insalubres, do MTE, fixa os limites de exposição ocupacional no Brasil para diversos agentes nocivos presentes nos ambientes de trabalho. Os limites de tolerância para ruído contínuo ou intermitente constam no Anexo 1.

A NR 15 também dispõe sobre procedimentos para a avaliação de determinados agentes agressivos, porém muitas vezes a norma deixa lacunas. Para suprir eventuais omissões, devem ser utilizados, nas avaliações quantitativas para elaboração de laudos técnicos, os procedimentos indicados nas NHOs da Fundacentro.

NHO 01 da Fundacentro x Anexo 1 da NR 15

Além de procedimentos técnicos para a avaliação de agentes ocupacionais de risco, algumas NHOs sugerem limites de exposição. Esses limites são, em geral, menores que os da NR 15 e visam proteger o trabalhador de possíveis danos à saúde.

No caso do ruído, a NHO 01 adota o valor 3 como incremento de duplicação de dose (q=3) para avaliação ocupacional. A cada incremento de 3 decibéis, é reduzido pela metade o tempo máximo de exposição permitido.

A NR 15, por sua vez, adota o valor 5 como incremento de duplicação de dose (q=5). Lembrando que os limites de tolerância em vigor no Brasil são os da NR 15 do MTE. Na ausência destes, valem os limites da ACGIH – American Conference of Governmental Industrial Hygienists.

Muitos indicadores da NR 15 estão desatualizados em relação aos definidos por organizações internacionais, como a ACGIH. Por essa razão, eles deveriam ser utilizados apenas como referência para a elaboração de laudos técnicos, e não para a gestão da Saúde e Segurança do Trabalhador.

Aposentadoria especial por exposição ao ruído

O Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/1999, prevê a concessão de aposentadoria precoce para os segurados que trabalhem 15, 20 ou 25 anos sujeitos a condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou integridade física.

Condições especiais são aquelas que expõem o trabalhador a agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou à associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física.

A lista dos agentes nocivos consta no Anexo IV do Decreto nº 3.048/1999. No caso do ruído, a aposentadoria enquadra-se como especial quando a exposição a Níveis de Exposição Normalizados (NEN) for superior a 85 dB(A).

A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário – o “famoso” PPP – emitido pela empresa ou seu preposto, com base no LTCAT expedido por Médico do Trabalho ou Engenheiro de Segurança do Trabalho.

Avaliação do ruído no LTCAT

Segundo o Regulamento da Previdência Social, “nas avaliações ambientais deverão ser considerados, além do disposto no Anexo IV, a metodologia e os procedimentos de avaliação estabelecidos pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho – Fundacentro” (artigo 68, § 12 do Decreto nº 3.048/1999).

Logo, para avaliar a exposição do trabalhador ao ruído, devem ser utilizados os procedimentos técnicos da NHO 01 da Fundacentro.

No entanto, o Anexo IV do Decreto nº 3.048/1999, ao se referir aos agentes físicos, dispõe que a atividade será considerada especial quando a exposição estiver acima dos limites de tolerância especificados ou às atividades descritas.

Além disso, o artigo 64, § 2º delimita que são condições especiais que prejudicam a saúde e a integridade física “aquelas nas quais a exposição ao agente nocivo ou associação de agentes presentes no ambiente de trabalho esteja acima dos limites de tolerância estabelecidos segundo critérios quantitativos…”.

Novamente, vale frisar que os limites de tolerância em vigor no Brasil são os da NR 15. Para reforçar esse entendimento, a Instrução Normativa nº 77/2015, do INSS, prescreve:

“Art. 279. Os procedimentos técnicos de levantamento ambiental, ressalvadas as disposições em contrário, deverão considerar:
I – a metodologia e os procedimentos de avaliação dos agentes nocivos estabelecidos pelas Normas de Higiene Ocupacional – NHOs da Fundacentro; e
II – os limites de tolerância estabelecidos pela NR 15 do MTE”.

Afinal, q=3 ou q=5?

O incremento de duplicação de dose (q) está relacionado ao limite de tolerância, como pode-se perceber nas Tabelas abaixo.

Quando definimos um q=3, verificamos que o limite de exposição para um nível de ruído de 90 db(A), por exemplo, é 151,19 minutos diários. Já quando definimos um q=5, o limite de exposição permissível para os mesmos 90 db(A) de ruído é 240 minutos diários.

Logo, se adotarmos os limites de tolerância da NR 15 (q=5), os resultados poderão ser bem diferentes daqueles recomendados pela NHO 01 (q=3).

E tanto o Decreto nº 3.048/1999 quanto a IN nº 77/2015, do INSS, mencionam que a exposição ao ruído deve estar acima dos limites estabelecidos, para fins de concessão da aposentadoria especial. Ou seja, acima dos limites da NR 15.

O motivo da confusão

A IN nº 77/2015, do INSS, é bastante clara em relação ao limite de tolerância a ser observado na avaliação do ruído. O Decreto nº 3.048/1999, por outro lado, não traz essa informação de maneira tão clara e objetiva. Faz referência direta, apenas, quanto aos procedimentos da Fundacentro.

E como, na hierarquia da leis, um Decreto tem mais peso do que uma Instrução Normativa, muitos profissionais fazem confusão, acreditando que devem aplicar os procedimentos e também os limites de tolerância da NHO 01 da Fundacentro.

No entanto, segundo o Decreto nº 3.048/1999, a exposição precisa estar acima dos limites estabelecidos. Ou seja, acima dos limites de tolerância da NR 15, e não dos limites da NHO 01.

Não é papel da Fundacentro determinar os limites de tolerância, mas apenas os procedimentos e metodologias de avaliação dos fatores ocupacionais de risco. É o MTE o responsável por fixar os limites de exposição ocupacional a agentes nocivos no Brasil.

É um erro grave utilizar os limites de tolerância da NHO 01 da Fundacentro na avaliação quantitativa do agente físico ruído. Deve-se utilizar q=5 para a avaliação do ruído, tanto para fins de insalubridade quanto para aposentadoria especial.

Infelizmente, a interpretação equivocada do Decreto nº 3.048/1999 vem sendo disseminada inclusive por órgãos oficiais, que deveriam ter regras claras para que os profissionais de SST pudessem elaborar os seus laudos com segurança.

Essa confusão gera uma enorme insegurança jurídica, com perdas para as empresas e toda a sociedade. Os custos da aposentadoria especial são muito altos, e quem paga a maior parte dessa conta é a própria sociedade.

Precisamos ter mais responsabilidade e clareza para definir as regras de concessão desse benefício.

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Tabela 1 – Limites de Tolerância do Anexo 1 da NR 15


 

Tabela 2 – Tempo máximo de exposição permissível – NHO 01

 

 

 

 

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